Submergir sob a superfície

Nadia Huggins, Transformation No. 1. Fotografia digital, 2015. Cortesia da artista.
20 June 2021
Magazine América Latina Magazine
Words Yina Jiménez Suriel
7 min de leitura
A fotógrafa, radicada em São Vicente, fala sobre o oceano, a imaginação de novos mundos e o papel do fogo na criação do Caribe.
A artista Nadia Huggins nasceu em Trinidad e Tobago e cresceu em São Vicente e Granadinas, onde vive atualmente. Suas obras integraram exposições coletivas no Canadá, Estados Unidos, Trinidad e Tobago, Jamaica, Barbados, Etiópia, Guadalupe, França e República Dominicana. Em 2019, foi realizada a exposição Human Stories: Circa no Future (Histórias humanas: aproximadamente sem futuro), com obras suas, na Now Gallery, em Londres. Sua obra faz parte das coleções da The Wedge Collection, em Toronto, da Galeria Nacional da Jamaica e do Museu de Arte das Américas, em Washington DC. Huggins é cofundadora da Revista ARC e da iniciativa One Drop in the Ocean (Uma Gota no Oceano), que tem como objetivo conscientizar sobre os resíduos que poluem os mares.
Esta conversa entre Nadia Huggins e a curadora e pesquisadora dominicana Yina Jiménez Suriel ocorreu, como descreve Jiménez, “dentro e fora da água”, a fim de “exercitar o anfíbio em nossos corpos”.
Yina Jiménez Suriel: Comecei a me relacionar com sua prática em 2016, quando você fez a exposição Fighting the Currents (Lutando contra as correntes), no Museu de Arte Moderna de Santo Domingo, como parte do festival de fotografia Photoimagen. O que você propõe, nas obras que foram exibidas naquela exposição, me fez pensar em como você chegou à arte.
Nadia Huggins: Tudo começou de uma forma muito orgânica. Comecei a notar que, dentro da minha própria prática, ainda não tinha explorado com uma câmera aspectos do mar sob a superfície e quis investigar isso um pouco mais a fundo através da minha lente. Comprei um equipamento para fotografia subaquática e passei a nadar todos os dias, apenas para tentar capturar diferentes aspectos do mar e do meu próprio corpo através dessa experiência. Com o tempo, comecei a construir uma repetição de imagens que me ajudava a criar uma narrativa com a qual eu era capaz de trabalhar. Descobri que a metáfora que os pais caribenhos usam, “não lute contra uma corrente, apenas vá no fluxo”, dialogava com a ideia que eu queria transmitir no meu trabalho. Então comecei a construir um projeto a partir dessa ideia – consegui unir organicamente duas imagens para criar a série Transformations, baseada em centenas de imagens que misturei e combinei para criar as 11 peças finais.

Nadia Huggins, Below the surface, Circa No Future, 2019. Courtesy of the artist.
YJS: Atualmente desenvolvo um projeto sobre práticas artísticas no Caribe insular que, desde a primeira década do século 21, caminha para a “natureza”, entendida como o lugar a partir do qual podemos pensar e criar significados para subverter as lógicas coloniais e neocoloniais existentes na região. Em suas fotografias, que também examino lá, você aponta para o oceano como um espaço para imaginar presentes radicalmente diferentes dos atuais. Você poderia compartilhar um pouco de seus pensamentos sobre sua relação com o oceano?
NH: Meu ponto de partida realmente começou com o interesse em olhar para uma ilha a partir do mar. Quando você remove o fardo das construções sociais que parecem dominar nossas narrativas enquanto manobramos nossos corpos através da terra, você é forçada a se concentrar nos aspectos elementares e centrais de si mesma. A pergunta que repetidamente fazia enquanto nadava era: “o que é que me torna humana?”. Acho que isso realmente criava uma ideia abrangente a partir da qual eu era capaz de trabalhar. O oceano é um espaço no qual não fomos projetados para sobreviver. Então acho que, instintivamente, porque nossos corpos ficam muito focados em descobrir maneiras de vir à tona e sobreviver, estar no mar elimina todas as outras construções que ocupam nossas mentes, especialmente em terra. A transformação acontece naturalmente nesse caso. Eu definitivamente sinto uma sensação muito maior de calma e foco quando estou submersa. A experiência geralmente é muito meditativa para mim e minha consciência de mim mesma geralmente atinge seu auge quando estou na água.

Nadia Huggins, Ash Column from Second Eruption of La Soufrière Volcano, St. Vincent, Seen from Troumaca Bay. April 9, 2021. Courtesy of the artist.
YJS: Penso muito naquela ideia de que “o Caribe começou no fogo e continua na água”. Quando o vulcão La Soufrière, de São Vicente, entrou em erupção em 9 de abril de 2021, depois de 42 anos sem atividade, pensei no seu trabalho. Você tem se relacionado com esse vulcão através da fotografia há um tempo. O que acha de vê-lo ativo e experimentar as implicações da erupção?
NH: Acho que ver a erupção realmente solidificou a ideia de que a criação começa na violência. Tenho tentado entender as formações insulares e, de certa forma, tenho tentado documentar e criar um registro da maneira como a natureza toma forma em uma ilha, para que as gerações futuras tenham algum tipo de referência sobre um tempo em nossa história geológica atual e sobre os estágios nascentes dessas novas formações. Afinal, nossas ilhas já foram submersas e, através de milhões de anos de formações geológicas, passamos a existir acima do nível do mar. Muito desse pensamento também se espalhou pela maneira como eu tentava perceber o trabalho que eu fazia debaixo d'água. Há algo realmente interessante em olhar para uma ilha enquanto se flutua fora da costa. É esse entendimento de que, abaixo do nível do mar, há partes da ilha a que não temos acesso, e elas são a base dessas formações insulares que eventualmente se acumulam e criam massa terrestre suficiente para que possamos nos estabelecer. É essa conexão direta com o núcleo terrestre que não podemos ver, um lugar muito violento e inacessível e ainda mais abaixo do fundo do oceano que nos conecta ao resto do mundo e informa a forma de nossas ilhas. A cada explosão que causa um acúmulo de cinzas e rochas, essa forma é manipulada de formas muito leves em um mapa, mas afeta significativamente a maneira como os rios fluem, e informa a propriedade de novas fronteiras terrestres e o uso dessas terras no futuro.

Nadia Huggins, Ashfall (Caída de ceniza), Byera, April 17, 2021. Courtesy of the artist.
YJS: Como era a comunidade artística de São Vicente antes da erupção, como ela se encontra agora, e de que maneira nós, que somos de fora da ilha, podemos contribuir?
NH: Acho que havia uma pequena comunidade que estava lentamente se construindo, especialmente nos últimos cinco anos. As pessoas têm desejado uma comunidade criativa e acho que a organização de eventos como o Festival de Cinema Hairouna ajudou a criar um espaço para isso. Claro, há grupos menores e mais informais que parecem estar aparecendo também. Acho que a erupção realmente ajudou a comunidade criativa a entender seu lugar na sociedade, e muitas pessoas se uniram organicamente para formar grupos dedicados a ajudar pessoas deslocadas do norte da ilha. Espero que esses grupos continuem a se unir e a desenvolver novas ideias e formas de pensar sobre os tipos de trabalho que podem causar um impacto em São Vicente & Granadinas. Quanto às outras ilhas do Caribe em relação a São Vicente, eu adoraria ver mais trocas entre artistas, seja através de residências, oficinas e exposições. Acho que artistas mais jovens talvez não tenham a exposição necessária para entender a importância desse tipo de experiência no desenvolvimento de sua própria prática.
Yina Jiménez Suriel, curadora e pesquisadora especializada em estudos visuais. Pensa a partir do movimento, das visualidades e de suas potências, para criar imaginações distintas das atuais. Vive e trabalha na República Dominicana.
Tradução: Cláudio Andrade
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