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A negritude como estado físico da matéria

Blackness as a State of Matter

A Drip of Beauty & Horror (Uma gota de beleza e horror, 2018), de Leila Weefur. Cortesia da artista.

29 January 2019

Magazine América Latina Magazine

Words Will Furtado

7 min de leitura

Sobre a antinegritude como elemento fundacional dos Estados Unidos, representações estreitas da África e prêmios artísticos.

Contemporary And América Latina: Você acaba de completar uma residência na Galeria Ashara Ekundayo, que terminou com uma mostra da qual você foi curadora. Para que utilizou a residência?

Zoe Samudzi: Utilizei essa residência para realmente refletir e observar o processo de construção institucional de Ashara. Antes de criar sua própria galeria, ela foi cofundadora do Impact Hub Oakland e curadora do espaço Galeria Omi ali dentro. Seu trabalho como estrategista cultural e curadora independente foi realmente inspirador para mim porque ela não fica impondo a doutrina de “diversidade e inclusão”, muitas vezes trivial e hipócrita, que encontramos com frequência no mundo da arte.

a’Tovia Gary, Image from Giverny I (Négresse Impériale), 2018. Courtesy the artist.

a’Tovia Gary, Image from Giverny I (Négresse Impériale), 2018. Courtesy the artist.

Em vez de tentar descobrir como arrancar obras e vozes sub-representadas/deliberadamente excluídas de certas comunidades para dentro de um espaço institucional ou cânone dominante, passei a compreender e admirar como ela dedica seu trabalho e energia a criar espaços para aquelas pessoas. E foi exatamente isso que fez com sua galeria: criou um espaço institucional com foco na produção cultural de mulheres negras, o que, por sua vez, me forçou a pensar sobre meu próprio cânone e o tipo de artistas nos quais tenho investido minha energia.

C&AL: Como você desenvolveu o conceito da mostra da qual foi curadora na galeria?

ZS: Minha mostra segue a mostra paralela de Ashara, uma maravilhosa exposição coletiva recorrente de artistas negras de um grupo chamado The Black Woman is God, que se realizou pela primeira vez em 2013 e tem tido a curadoria de Karen Seneferu e Melorra Green desde sua concepção. Em contraste com esse retrato da condição feminina negra num espaço explícito e afirmativo de divindade, eu estava interessada na negritude – não apenas na condição feminina negra – como um estado físico da matéria ou um elemento. Não necessariamente como um invólucro terreno para aquele conceito, pois acho que podem ser complementares, mas para pensar a respeito de diferentes representações da negritude (para além das imagens controladoras de Jezebel, da mamãezinha, do macho negro etc.) e por que elas são atraentes para nós de diferentes maneiras. Reuni as ideias para essa mostra enquanto estava na Namíbia (trabalho de campo) e no Zimbábue (visitando a família) em setembro passado, então pensei sobre representações estreitas do continente e toda a outra sujeira que está acontecendo ao mesmo tempo. E refleti sobre mudança e evolução, adaptação, atividade e descanso, interações com o mundo natural… então chamei a exposição de Elemental.

Kyle Malanda, Who Will Bury You? III, 2018. Courtesy the artist.

Kyle Malanda, Who Will Bury You? III, 2018. Courtesy the artist.

C&AL: Pode me falar sobre seu processo de seleção de artistas?

ZS: Queria ter certeza de ter uma combinação de artistas locais e artistas de fora da Baía de Oakland. Então pensei imediatamente em Leila Weefur, radicada em Oakland, que está sempre envolvida com questões relacionadas às ontologias negras e violência e desejo; realmente queria que ela estivesse na mostra. Também queria realmente incluir Kierra Johnson, pois vi sua mostra individual Signify na Galeria Betti Ono, em 2018, e achei que a maciez íntima de suas fotografias seria um bom invólucro para a escura dureza das de Leila. Kyle Malanda é uma amiga minha, mas eu estava realmente atraída por sua obra Who Will Bury You?, porque esperava incluir conteúdo e imagens explicitamente sobre o continente – sua obra é uma interpretação visual de ritos funerários da cultura de sua mãe efetuados na terra ancestral de seu avô. Quando meu prazo estava acabando e eu estava procurando mais uma última artista, Leila me apresentou T. Thompson. Ela imprimiu suas fotografias em linho belga, o que permite que as fotografias tiradas por ela (lindas imagens de jovens negros brincando no oceano em Trinidad) tenham algum movimento. Além dessas três fotógrafas, queria incluir uma cineasta/obra de vídeo; convidei Ja’Tovia Gary, porque amo seu trabalho. Amei a forma como Giverny I (Négresse Impériale) depende mais profundamente do som do que das imagens para comunicar a violência contra os negros e o desassossego psíquico.

C&AL: Para você, qual a importância da Galeria Ashara Ekundayo nos dias e tempos atuais? Por que acha que não há mais galerias exclusivas de mulheres negras no Ocidente?

ZS: O trabalho da Ashara é importante porque nos lembra que as mulheres negras são dignas de serem estudadas em si, ao contrário de serem simplesmente relegadas a uma única exposição/retrospectiva especial ou incluídas como uma parte de “diversas vozes”. Acho que não há mais galerias exclusivas de mulheres negras no Ocidente porque as pessoas tendem a associar o desejo de investir esse tempo e essa energia na obra de mulheres negras com uma espécie de “segregação” que é contrária a essa linha de inclusão. Ashara não está tentando incluir as mulheres negras à força numa história que deliberadamente nos ignorou: ela está destacando a existência de um cânone e legado de obras de mulheres negras e convidando todos a se envolver com essa obra em seus próprios termos, nos nossos termos. Esse trabalho realmente não é inclusivo da maneira como “inclusão” passou a ser sinônimo de checar os itens da lista de identidades a fim de garantir suas presenças. Há uma razão pela qual se referem à nossa obra como “arte de mulheres negras”, mas não é uma convenção dizer “obra de homens brancos” ou “obra branca”: atualmente a hipervisibilidade da inclusão permite que o elefante na sala de estar permaneça sem nome.

"Man & Nature I” (2018) by Zoé Samudzi. Courtesy the artist.

"Man & Nature I” (2018) by Zoé Samudzi. Courtesy the artist.

C&AL: Só em novembro de 2018, Kapwani Kiwanga e Sondra Perry ganharam dois prêmios artísticos importantes. Será que podemos falar de um novo interesse em mulheres negras no mundo da arte? E o que você acha que isso significa de fato?

ZS: Acho ambas as artistas muito interessantes e fico contente por estarem conseguindo recursos para produzir mais obras! E, como pessoa cínica, também estou preocupada com o significado da excepcionalização da negritude através dessas premiações e da concessão de dinheiro e legitimidade apenas a artistas negras cujas obras atingem algum padrão de excelência subjetivo e desconhecido, decidido pelos jurados da premiação. Isso não quer dizer que essas artistas não mereçam aclamação, porque a escassez de recursos é artificial: há oportunidades para nós todas sermos incluídas e incluirmos umas às outras. Mas isso é colocar em questão por que as instituições não estão sendo mais liberais em sua distribuição de recursos para artistas que estão chegando e pelas disciplinas de mídia/arte. Quero citar o contraste das premiações de Kiwanga e Perry com o prêmio Taylor Wessing para fotografia. John Edwin Mason lançou uma ótima série de posts no Twitter sobre o fato de que todos os ganhadores deste ano foram retratos de pessoas não brancas tirados por fotógrafos brancos; e eu, como ele diz nos posts, posso citar facilmente mulheres negras fotógrafas cuja obra de conteúdo similar é comparável ou melhor. Sinto que a decisão do mundo da arte de se interessar pela obra de mulheres negras está atrasada em muitos anos, e também é um pouco mais que suspeita. Mas ficaria muito agradecida se provassem que estou errada, ficaria contente em ver que o olhar institucional está mudando. Vamos então conseguir muito mais mulheres negras curadoras e galeristas, críticas e ensaístas de arte, juradas de premiações e festivais, diretoras de museus e arquivos e galerias. No entanto – quando os recursos e modos de produção artística e o discurso mudarem de mãos, essa será a prova de que o olhar e a estrutura estão mudando significativamente. E será o momento em que fecharei minha boca um pouquinho.

C&AL: Quais seu planos agora?

ZS: Venho pensando muito sobre violência e intersubjetividade. Estou dando sequência a minha série Man & Nature e exibi três de suas imagens em minha mostra, porque, como alguém que come carne, estou interessada em visualizações dos caminhos da alimentação e na relação simbiótica – em última instância tanto de dependência quanto de dominação – entre animais humanos e não humanos. Também estou fazendo visualizações da memorialização de genocídios e da negação de genocídios e vou viajar um pouco, começando em 2019, para iniciar esse trabalho. E também estou cursando o terceiro ano de doutorado, então só o que quero é finalizar esse doutorado tão rápido quanto possível, mantendo minha mente e meu corpo predominantemente intactos.

Elemental foi exibida naGaleria Ashara Ekundayo, em Oakland, EUA, em 2018

Zoe Samudzi é fotógrafa e escritora zimbabueana-americana, além de doutoranda em Sociologia Médica na Universidade da Califórnia.

Entrevista por Will Furtado.

Traduzido do inglês por Renata Ribeiro da Silva.

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