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Esperanza de León: curadorias baseadas em saberes comunitários

Esperanza de León: Curating Through Community Knowledge

Residência Artística Corpo Território. Encerramento de processos e apresentação de resultados às ancestrais do povo Q’eqchi’ nas grutas de Lanquín (atividade exclusiva para as residentes, equipe e convidadas selecionadas), Lanquín, Alta Verapaz, 2022. Cortesia da artista.

01 October 2025

Magazine América Latina Magazine

Words María Elena Ventura

5 min de leitura

A curadora guatemalteca aposta na mediação, na educação e na justiça simbólica.

Quando uma curadora se senta a fim de escutar o canto de um vulcão, o sussurro do fogo ou a memória vibrante de um tecido feito à mão, está fazendo mais do que selecionar obras: está criando uma narrativa. É assim que Esperanza de León trabalha: como uma articulação que conecta obras sem impor discursos, mas abrindo caminhos para que as memórias, deslocadas por signos, deem nome a si mesmas. "Escolho ser uma articulação e trabalhar a partir daí", disse Esperanza em uma videochamada. "Parto desse ponto de tensão, que já me trouxe também muitas dificuldades. Mas sabia disso, e prefiro assim."

No tecido social, político e cultural da Guatemala, a arte é raramente alheia à tensão. As múltiplas camadas de desigualdade, violência histórica, racismo estrutural e exclusão que permeiam o país se refletem também nos circuitos artísticos, geralmente concentrados em lógicas elitistas e urbanas. Nesse contexto, a trajetória de Esperanza de León se destaca como uma prática curatorial distinta: uma aposta na mediação, na educação e na justiça simbólica.

Artistic Pedagogical Creatory (CAP). Drawing class, Guatemala City, 2017. Courtesy of the artist.

Artistic Pedagogical Creatory (CAP). Drawing class, Guatemala City, 2017. Courtesy of the artist.

Esperanza nasceu em Alta Verapaz, ela se identifica como mestiça periférica da classe trabalhadora e não se reconhece como uma curadora a partir de uma formação acadêmica tradicional, mas por ter assumido a responsabilidade de acompanhar processos de criação a partir das margens. Define-se como curadora para conectar mundos: o mundo dos jovens, das crianças e das comunidades indígenas com os espaços profissionais de validação artística. Ela se formou percorrendo territórios, acompanhando jovens e crianças e apoiando processos que muitas pessoas não considerariam arte.

Um dos momentos mais importantes de sua trajetória aconteceu no território Q'eqchi', no departamento de Alta Verapaz, durante uma residência artística promovida pela Associação Maíz de Vida. Com o apoio da artista Valeria Leiva, que atuava então como coordenadora de comunicação da ONG, surgiu uma questão pertinente: E se a arte também for poder?

O objetivo inicial era selecionar mulheres indígenas do território Q'eqchi' para desenvolver uma obra contemporânea. Esperanza, no entanto, percebeu imediatamente uma profunda falta de conexão: a linguagem do projeto, as expectativas institucionais e até o próprio conceito de "residência" eram estranhos aos códigos culturais e vitais da comunidade. Em vez de aplicar uma lógica de inclusão superficial, ela propôs uma mudança metodológica: a residência se transformou em um processo de mentoria coletiva.

As participantes, integrantes do coletivo Ixqcrear – formado por Elena Caal, Ixmukane, Ixmayab Quib (criadoras audiovisuais provenientes de Tac Tic) e a fotógrafa Roxana Mucú – foram acompanhadas por artistas como Reyes Josué Morales (artista multidisciplinar que assessorou Elena) e Camila Juárez (fotógrafa, pesquisadora e comunicadora, que assessorou Roxana). A proposta artística abordou os temas corpo, memória pessoal e território.

Ao final da residência de dois meses, realizaram-se cerimônias em grutas consideradas sagradas pela população local Q'eqchi', como as grutas de Lanquín. Nelas, as obras foram apresentadas às ancestrais, desmanchando as fronteiras entre exposição e intercâmbio espiritual. Em novembro de 2022, as obras foram apresentadas nas grutas de Lanquín e em espaços públicos de Cobán, o encerramento aconteceu com uma exposição em Xkape Kob, em Alta Verapaz, que incluiu elementos como harpas tradicionais Q'eqchi', kakaw, pinho, flores, tamalitos e boj.

Walk of Love for Peace. Painting workshop with the children of Nueva Esperanza Chaculá, Huehuetenango, Guatemala, 2005. Courtesy of the artist.

Walk of Love for Peace. Painting workshop with the children of Nueva Esperanza Chaculá, Huehuetenango, Guatemala, 2005. Courtesy of the artist.

Além desse projeto, sua metodologia ainda se nutriu de experiências marcadas por um compromisso ético sustentado. Em 2005, Esperanza participou da Caminhada do Amor pela Paz, um processo artístico posterior aos Acordos de Paz de 1996, que percorreu a pé comunidades rurais afetadas pelo conflito armado interno da Guatemala. O percurso passou por cerca de 30 comunidades de montanhas do oeste ao leste do país. Essa experiência não apenas ampliou sua visão sobre a diversidade cultural e biológica do país, como também fortaleceu sua convicção de que trabalhar com o "rural" também é um ato político.

Esses elementos permeiam suas aulas, curadorias e apresentações teóricas, como formas de introduzir o excluído ao acadêmico e, ao mesmo tempo, resistir à aculturação e ao branqueamento.

Em seu trabalho junto à Bienal de Arte Paiz, da qual participou como curadora educacional em 2023, Esperanza promoveu a inclusão de comunidades como Livingston, Rabinal e Chinautla, desafiando as distâncias e obstáculos logísticos para incluir práticas locais no circuito curatorial. Além disso, pesquisou para redes como Arte e Cidadanias Críticas, com destaque para projetos pedagógicos com povos originários que recuperam e ressignificam o conhecimento ancestral.

Para Esperanza, a metodologia curatorial é uma ferramenta flexível que se adapta a cada território. Ela atua a partir da observação, da empatia e da escuta: caminhar pelas comunidades, compreender seus códigos, suas urgências, seu ritmo. Seu esquema de trabalho a partir da plataforma CAP (Centro de Arte e Pedagogias), onde desenvolveu um modelo educativo baseado em práticas ancestrais e metodologias comunitárias, estabelece pilares temáticos que orientam suas práticas, sempre com um olhar que busca o dialógico, o situado e o pertinente.

Atualmente, ela trabalha na sistematização desses processos com o apoio do Fundo Centro-Americano de Mulheres, criando uma plataforma para promover a visibilidade de outras artistas-educadoras da Guatemala. Para além do arquivo, o projeto busca continuar construindo uma comunidade.

"Temos valor", afirma Esperanza. "O que temos para dizer tem valor." Essa afirmação não apenas nos define como mulheres, mas também nos estimula a perder o medo, a ocupar os espaços com a nossa voz, a criar projetos próprios, conquistar nossa independência e nos atrevermos a construir nosso corpo de obra. Ela nos convida a sermos autênticas, a confiar em nossa capacidade e a entender que acompanhar também é uma forma de curar. Uma curadoria a partir das margens também pode ser uma prática radical de mediação cultural.

Esperanza de León é psicóloga, pesquisadora, curadora educativa e cofundadora do Creatorio Artístico Pedagógico (CAP), na Guatemala, que entende a arte como uma ferramenta de saúde integral. Colabora com revistas e meios especializados como A*Desk, a publicação Bisagra, Pedagogías Empáticas Indisciplinas Artísticas, Sentidotorio de Derechos Culturales, entre outros.

María Elena Ventura (República Dominicana, 1996) é educadora, gestora cultural e curadora emergente. Trabalhou em projetos educativos e curatoriais que cruzam arte, memória e território, com foco em práticas comunitárias, no Caribe e na educação artística. Atualmente escreve e colabora com revistas culturais, além de participar de programas de formação em patrimônio e curadoria na América Latina e na Europa.

Tradução: Renata Ribeiro da Silva

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