PesquisarOportunidadesEventosSobre a C&Hubs
C&
Revistas
Projetos
Education
Comunidade
Brazil

Jonathas de Andrade: trânsito entre o erudito e o popular

Jonathas de Andrade: A Transition between the Erudite and the Popular

Vista da exposição Com o coração saindo pela boca, de Jonathas de Andrade, no Pavilhão do Brasil. Foto: Ding Musa / Fundação Bienal de São Paulo

31 March 2022

Magazine América Latina Magazine

Words Camila Gonzatto

7 min de leitura

Jonathas de Andrade representa o Brasil na 59a Bienal de Veneza, propondo uma obra que parte de expressões populares para pensar o momento atual.

C&AL: O Brasil passou por muitas transformações políticas e sociais nos últimos anos, incluindo a ascensão da extrema direita ao poder e a pandemia, pela qual o país foi significativamente afetado. Qual foi o teu ponto de partida para pensar uma forma de representar o Brasil na Bienal de Veneza?

Jonathas de Andrade: O título do projeto, Com o coração saindo pela boca, parte de uma coleção de expressões populares que são metáforas de corpo. Expressões como “nó na garganta”, “embaixo do nariz”, “revirar o estômago”, “língua afiada”, “carne de pescoço”, “sangue de barata”, “vergonha na cara”, “língua nos dentes”, “sangue no olho”, através de seus sentidos figurados, revelam, de algum jeito, a hipérbole do absurdo do presente. Se levarmos ao pé da letra, cada uma dessas expressões são exageros ou não têm sentido. Acho intrigante que a linguagem popular tenha o corpo tão presente, e em pedaços, e que, para minha surpresa, carregam relação intensa com a dimensão política do que vivemos no Brasil de hoje. Acho que partir dessa coleção de frases é enveredar pela tentativa de explicar o intraduzível sobre o presente do que se sente nesse corpo brasileiro.

C&AL: Na obra para a Bienal, Com o coração saindo pela boca, você opta por trazer à tona sensações, comportamentos e maneiras de se estar no mundo, para de uma certa maneira falar sobre o fracasso de utopias e ideais. Quais seriam essas utopias e ideais, e por que essa escolha?


JA: Não tenho tanta clareza sobre como o projeto poderá responder ao fracasso de utopias. Para mim, ele expressa algo sobre um certo estarrecimento diante do presente, e como este sentimento atua diretamente sobre o corpo numa tentativa de anestesiá-lo. Acredito que novas respostas e saídas vêm da força desse próprio corpo, no que é capaz de reinventar, recriar, e, assim, responder a uma dimensão diretamente política. Acredito que é bastante revelador perceber o quanto a linguagem recorre ao corpo para dar conta do sentimento e da subjetividade. Acredito que as obras chamam para um delírio poético que falam do absurdo mas do poder simbólico para pavimentar a reinvenção do presente num futuro com libido de criação. Diante de um presente tão carregado e sombrio, gosto de acreditar que é possível chamar para uma renovação dos votos por pavimentar novas utopias e inspirações.

C&AL: Em sua obra, você trabalha com expressões populares brasileiras. O popular e o erudito, fora algumas exceções, nunca dialogaram bem no Brasil. Como você quer articular essas duas pontas em Veneza?



JA: Acredito que existe uma erudição da tradição popular, como em manifestações do folclore, nas danças populares, na persistência das marchas de carnaval ou de ritmos como o frevo, na alegorias dos bonecos gigantes de Olinda ou dos desfiles do samba do Rio de Janeiro. Para mim, há algo de profundamente erudito em tudo aquilo que persiste, e extrapola temporalidades. Para mim, é muito natural pensar nesse trânsito entre erudito e popular na arte contemporânea e, na verdade, sempre me pareceu meio esquisito a distinção entre artista popular e artista contemporâneo, por exemplo, especialmente se a este último se atribui certa erudição a despeito do outro. Eu me sinto bebendo na fonte do popular e muito mais submetido à sua força cultural para comentar o que me interessa sobre o presente, o passado e o futuro, e acho que, no pavilhão, não será diferente.

Development process of With Your Heart in Your Throat – the artist working with the sculptor Silvio Botelho in Olinda, Pernambuco, Brazil, 2022.

Development process of With Your Heart in Your Throat – the artist working with the sculptor Silvio Botelho in Olinda, Pernambuco, Brazil, 2022.

C&AL: O popular também está presente em suas obras anteriores, como em Cartazes para o Museu do Homem do Nordeste. Como o trabalho da Bienal dialoga com seus interesses e pesquisas anteriores?


JA: Acredito que reúno vários de meus interesses neste projeto. Vejo o fascínio pela linguagem e pela palavra, o olhar para manifestações populares como fontes absolutas da força da cultura e da reinvenção, a ideia de coleção e índice como espinha dorsal para uma sistema de imagens, a vontade de navegar com ambiguidade pelo que há de intenso na existência e metáforas visuais. Gosto de desenvolver um tema em conjuntos de imagens, e neste projeto sigo com instalação de fotografias e uma experiência em vídeo, mas também me aventuro dando uns passos adiante no caminho da escultura, que é um terreno que sempre me despertou curiosidade.

C&AL: O corpo, entre a força física do trabalho e o erótico, ou como marcador de identidade, também é um elemento presentes em outros trabalhos seus. Qual é o papel do corpo em Com o coração saindo pela boca?


JA: O corpo neste trabalho navega um pouco por todos esses terrenos, mas, desta vez, o corpo ganha uma dimensão alegórica do Brasil. Através da linguagem, podemos nos aproximar do desconcerto universal da existência em outras culturas, transitando pela força criadora e desconcertante do erótico, pelas contradições da natureza e da ecologia, pelos prismas das múltiplas identidades, e pela beleza aflitiva da existência.

C&AL: Para o trabalho, você criou fotografias, esculturas e um vídeo. Por que a escolha dessas mídias?
JA: O coração que sai pela boca é como um sentimento de gravidade que é tanto de um pico de emoção como de uma quase vertigem. Sempre me pareceu instigante tentar dar conta desse pontapé conceitual de múltiplas formas. As esculturas tomam o espaço e se relacionam com o edifício modernista que é o pavilhão. A coleção de expressões ocupa uma constante durante a exposição, como acontece em projetos meus anteriores, como o Ressaca Tropical. Gosto de pensar fotografias como um conjunto de imagens que, como um todo, compõem uma certa complexidade sensorial. E o vídeo traz o som e a potência da narrativa, da imagem em movimento, e da beleza mítica, do realismo fantástico latino americano, e da capacidade de sonorizar todo o espaço. As esculturas podem ter uma dimensão cinética e sensorial, que convidam o público a se comportar fisicamente no espaço diante da presença delas. Gosto de pensar arte como um meio que me chama a provocar sensações e envolver o público em jogos de significados que falam sobre o presente e convocam o repertório de quem chega para completar o sentido do que tento trazer.

Jonathas de Andrade é um artista alagoano que trabalha com temas sociais através de instalações, vídeos e fotografias.

Camila Gonzatto é uma das editoras da revista C& América Latina.

Mais artigos de

Abstract sculpture composed of multi-colored fabric-wrapped ropes and bundled forms, suspended against a white wall.

Retificando a ausência da América Latina nos debates sobre arte afrodiaspórica

Vibrant artwork featuring stylized birds and creatures composed of intricate patterns, lines, and textures.

Macuxi Jaider Esbell: Uma vida indígena levada pelo extrativismo epistêmico

A black and white triptych of three women. From left to right: a woman with voluminous curly hair, a woman with short curly hair wearing a patterned shirt, and a woman with long wavy hair.

Comigo ninguém pode é a exposição que representará o Brasil na Bienal de Arte de Veneza de 2026

Mais artigos de

Zimbabwe Pavilion Announces “Second Nature | Manyonga” for Venice Art Biennale 2026 - Contemporary And

Zimbabwe Pavilion Announces “Second Nature | Manyonga” for Venice Art Biennale 2026

Venice Biennale 2026 Will Follow Late Koyo Kouoh's Vision - Contemporary And

Venice Biennale 2026 Will Follow Late Koyo Kouoh's Vision

Koyo Kouoh Has Been Announced as Curator of Venice Biennale 2026 - Contemporary And

Koyo Kouoh Has Been Announced as Curator of Venice Biennale 2026