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Um ponto de ruptura coletiva

A Collective Turning Point

Manifestantes celebram, em Porto Rico, a renuncia do governador Ricardo Rosselló, em 25 de julho de 2019. Foto: Daryana Rivera. CC BY-SA 4.0.

12 August 2019

Magazine América Latina Magazine

Words Lisa C Soto

6 min de leitura

Falamos com atores da comunidade artística de Porto Rico sobre os atuais protestos e sobre o futuro que imaginam para a ilha.

Depois do maior protesto da história de Porto Rico, que reuniu 500 mil pessoas incluindo artistas e músicos, ocorreu no início de agosto último a renúncia do governador Ricardo Rosselló. Semanas antes, foram descobertas e publicadas centenas de páginas de textos misóginos, homofóbicos, racistas e ofensivos contra o povo de Porto Rico, oriundas de uma série de conversas online entre o governador e onze membros, todos homens, de seu gabinete. Falamos com quatro personalidades da comunidade artística de Porto Rico sobre os protestos e sobre o futuro que imaginam para a ilha.

Michy Marxuach, curadora, cofundadora de Beta-Local e ex-diretora da M&M, espaço alternativo dedicado a fortalecer a produção de arte contemporânea em Porto Rico

O que se passou nas últimas semanas em Porto Rico foi uma coreografia orgânica sem coreógrafo. Tornou-se visível a diversidade de grupos que há anos estão organizando formas de sobreviver e responder, cada qual com suas urgências. Mas agora há uma urgência comum que provocou uma ação coletiva em resposta à agressão que há anos vem ocorrendo na ilha. Foi um momento de emancipação e decolonização em todos os sentidos, não apenas do arcabouço político, que continua fazendo o jogo de parecer indispensável, mas também uma reivindicação dos direitos da mulher, da comunidade LGTB e da vida de todos os organismos que existem neste território.

Somente através da construção do futuro no presente será possível haver espaço político e social futuro. Para isso, a meu ver, deverá acontecer uma mudança radical nas relações de poder. E não apenas nas políticas administrativas, mas também na forma como e com quem nos relacionamos, e como e para que queremos desenvolvimento... Se não nos decolonizarmos para nos reconstituir, continuaremos patinando até o colapso de nossos sistemas e de nosso planeta… A resposta sobre qual seria a estrutura adequada tem que ser respondida na prática e não pode ser novamente importada como parte de um “plano diretor”.

Tony Cruz Pabón, artista e cofundador de Beta-Local

Sobre a saída de Rosselló: é incrível sentir que coletivamente podemos mudar coisas. Este é um grande salto como país. Sobre a forma dos protestos: sempre acreditei que a música é a expressão cultural mais poderosa que temos, e aqui deixo claro ‒ ela foi o fio condutor dos protestos. Isso sem tirar o mérito de todas as formas que foram utilizadas. Sobre o futuro político da ilha: não sei se já é possível imaginar uma estrutura política futura... Talvez, mas não posso fazê-lo agora. O que fica claro na maneira como Pedro Pierluisi [novo governador de Porto Rico] subiu ao poder é que esta é uma luta de classes. Há um grupo de pessoas que cuidam umas das outras, e essa é a parte mais difícil de mudar.

Michel Nonó, ativista e uma das duas irmãs do coletivo artístico “As Netas de Nonó”

A atual crise política evidencia também a urgência da reivindicação que o povo tem feito através de diversas frentes para que se revise a dívida atribuída ao povo de Porto Rico. É uma dívida que empurrou nossas comunidades à austeridade. Isso evidencia que o governo (não apenas nesta administração) tem atuado em seu próprio benefício. A Auditoria Participativa é um processo de reparação e justiça para com o povo.

Tem sido significativa a diversidade de vozes nas ruas manifestando-se contra o governo corrupto e apático; o poder das vozes das pessoas que vivem em comunidades e o poder das vozes de pessoas LGBTQIA+, pois, embora houvessem nos tornado invisíveis, também somos parte do povo.

Meu sonho é que isso represente o fim do bipartidarismo neoliberal e de seu status quo… As comunidades de Porto Rico têm se reorganizado em termos econômicos, ambientais, pedagógicos e sociais, e isso é uma mostra de que sabemos o que queremos e do que precisamos.

Karlo Andrei Ibarra, artista e cofundador da galeria Km 0.2 em San Juan

Parece-me que o que se passou em Porto Rico é o resultado de uma ruptura coletiva relacionada à fibra moral do país. O chat prepotente dos políticos frente à dor de um povo que não se curou e literalmente não enterrou seus mortos do Furacão Maria (2017) foi a gota que fez transbordar o copo. Parece-me que o clima político vai continuar cercado de instabilidade, pois o processo que temos experimentado nestas últimas semanas demonstrou que todos os setores unidos, em conjunto com a pressão midiática, podem levar um recado de repúdio às políticas de corrupção. A partir deste momento, os políticos devem estar pensando que chegou ao fim o tempo em que faziam e desfaziam a bel prazer.

A pergunta sobre o futuro da ilha é muito complexa. Pessoalmente gostaria de um país livre e soberano. Por outro lado, as ações do partido governante tornaram mais distante que nunca a perspectiva de ser um Estado independente. Temos uma junta de controle fiscal cuja função é, como hienas ou aves de rapina, favorecer Wall Street e os grandes interesses econômicos. Desejo que se analise em primeiro lugar a dívida, que sob todas as luzes sabemos que é ilegal, que se derrote a junta fiscal, e que as pessoas comecem a mudar a forma como votam nas eleições… Anseio por uma grande coalizão entre todos os setores que derrote de uma vez por todas o bipartidarismo que tanto sangrou o país.

Lisa C Soto reuniu as respostas. Nascida em Los Angeles, na Califórnia, ela cresceu em Nova York e em um povoado tradicional do sul da Espanha. Sua herança caribenha e seus contínuos movimentos entre continentes e ilhas têm orientado seus temas artísticos.

Traduzido do espanhol por Soraia Vilela.

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