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O que significam Abya Yala e Pindorama?

What do Abya Yala and Pindorama mean?

“Bixa, se eu invocar... “, fotografia por Catalina Torres, 2023. Cortesia da artista.

12 April 2023

Magazine América Latina Magazine

Words Fábia Prates

6 min de leitura

Um ensaio sobre os nomes ancestrais do território sociopolítico que hoje chamamos América Latina.

Quem percorre os dois andares da exposição Xingu: Contatos no charmoso edifício que abriga o Instituto Moreira Salles (IMS), na Avenida Paulista, em São Paulo, depara-se com rico acervo audiovisual e documentos sobre a primeira terra indígena demarcada no Brasil, no começo da década de 1960. Entre fotos e vídeos do território e das 16 diferentes etnias que habitam o Parque do Xingu, na Amazônia, há registros de diferentes épocas feitos por brasileiros e estrangeiros que visitaram a região, mas também uma profícua produção dos próprios indígenas. O audiovisual tem sido cada vez mais usado como ferramenta para que os indígenas retratem suas histórias e culturas, e tenham voz nas narrativas sobre seus modos de vida, em vez de serem retratados apenas pelo olhar do outro.

O antropólogo e indigenista franco-brasileiro Vincent Carelli foi precursor ao criar, nos anos 1980, o projeto Vídeo nas Aldeias, com o qual ajudou a formar cineastas indígenas. O objetivo do projeto, segundo descrito nosite, "foi, desde o início, apoiar as lutas dos povos indígenas para fortalecer suas identidades e seus patrimônios territoriais e culturais, por meio de recursos audiovisuais e de uma produção compartilhada".

“weeds, succulents and carnivorous plants”, digital collage in collaboration with Yná Kabé, Romulo Barros, and Rodrigo D'Alcântara, a continuation of the 'anticolonial herbarium', during the TransWeb residency. Courtesy of the artist.

“weeds, succulents and carnivorous plants”, digital collage in collaboration with Yná Kabé, Romulo Barros, and Rodrigo D'Alcântara, a continuation of the 'anticolonial herbarium', during the TransWeb residency. Courtesy of the artist.

O protagonismo indígena na produção audiovisual é uma das muitas faces de um movimento de resistência forte na América Latina com vistas à valorização da ancestralidade dos povos originários que habitavam a região antes de ser invadida pelo colonizador europeu e viram seus modos de vida e cultura serem desprezados e negados. Os diferentes povos que habitavam as terras foram desrespeitados em suas peculiaridades e todos denominados igualmente como "índios". A Abya Yala, um dos nomes com os quais os povos originários denominavam suas terras, foi batizada de América.

Nesse movimento de resistência, convencionou-se voltar a chamar a região de Abya Yala (terra viva ou terra que floresce), como o povo Kuna, da Colômbia e do Panamá, a chamava em seu idioma original. No Brasil, o nome da América era Pindorama.

"Quando se usa o nome Abya Yala, isso é uma forma de enfrentamento do nome América Latina, que foi dado pelo invasor", conta o professor e pesquisador Janssen Felipe da Silva. “Sua utilização é a afirmação de que nós, que trabalhamos com epistemologia do Sul e na América Latina e com pensamento decolonial, o assumimos como enfrentamento."

Segundo ele, o pensamento decolonial defende o pensar e agir a partir das experiências, das lutas do povo ameríndio e do conhecimento produzido na América do Sul tanto pelos indígenas como pelo povo de origem africana. "Abya Yala é um enfrentamento da epistemologia do Norte, que, na invasão do continente, nos nomeou arbitrariamente. Abya Yala era usado anteriormente e parte do pensamento latino-americano como forma de reafirmação", diz.

Em sua tese de doutorado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a indigenista e também professora Eliene Amorim de Almeida detalha que a libertação dos países colonizados não modificou essa dinâmica de uma organização social que considerava indígenas e negros inferiores e desprezava suas epistemologias, colocando seus conhecimentos, crenças e tradicões no campo da superstição. "Mesmo depois das supostas independências e da criação dos Estados nacionais latino-americanos, a elite crioula continuou mantendo o padrão mundial de poder, que o pensamento decolonial chama de herança colonial ou colonialidade", diz trecho da tese.

YBYRATYBA, performance in collaboration with Leticia Rocha and trees at the Horto de Niterói garden, 2022. Courtesy of the artist.

YBYRATYBA, performance in collaboration with Leticia Rocha and trees at the Horto de Niterói garden, 2022. Courtesy of the artist.

Colonialidade é, portanto, herança do colonialismo que molda as estruturas e instituições modernas. Segundo a professora, além de moldar as instituições, a herança colonial também entra nas mentalidades, imaginários, subjetividades e epistemologias, dando forma e conteúdo às sociedades atuais. A colonialidade, parte constitutiva da modernidade, "encontra-se em cada âmbito da existência social: no trabalho, no sexo, na subjetividade, na autoridade, no conhecimento eurocêntrico, e se articula a vários tipos de hierarquias: étnicas, raciais, sexuais, de gênero, de conhecimento, de linguagem, religiosas; portanto, a colonialidade envolve um complexo sistema delas".

A ideia do pensamento decolonial, que sustenta os estudos sobre modernidade e colonialidade, é buscar outros caminhos que não os impostos por esse sistema que ignora saberes tradicionais. Uma espécie de volta às origens com respeito ao saber e fazer ancestral. Ainda de acordo com Eliene Amorim, o grupo modernidade/colonialidade compreende que, além da colonialidade do poder, há também as dimensões do saber, do ser e da natureza.

A Rede Modernidade/Colonialidade reúne intelectuais de diferentes países e áreas de conhecimento que pesquisam a América Latina e se debruçam sobre essas questões desde os anos 1990. Segundo Eliene Amorim, o grupo tem a América Latina não apenas como espaço geográfico, mas como território sociopolítico, cultural e epistêmico forjado pelo colonialismo.

Rastros de Diógenes, Bean Field, Terreiro Afetivo performative offering, UFPB, 2019. Courtesy of the artist.

Rastros de Diógenes, Bean Field, Terreiro Afetivo performative offering, UFPB, 2019. Courtesy of the artist.

A artista multimídia Rastros de Diógenes, nome artístico de Diógenes M. Potiguara ou Dyó Potyguara, leva toda essa inquietação para seu fazer artístico. "O pensamento decolonial no meu trabalho aparece a partir da consciência do meu corpo no mundo, da performance e se concentra muito nos aspectos cotidianos, sobretudo num contexto de migração, apagamentos e retomadas da ancestralidade", disse em conversa por escrito com a C&. “Me preocupo, hoje em dia, em tramar com minha ancestralidade, sabendo que a mesma é parte de um todo, um território e várias ficções atreladas".

Desde 2015, a artista desenvolve o projeto Terreiro Afetivo, na zona rural de São Gonçalo, cidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Terreiro Afetivo pretende ser um laboratório aberto, comprometido com a cura da terra, redes e pontos de trocas ancestrais. "Nesse caso, há um interesse em valorizar e resgatar processos com a terra, com os territórios por onde passo", conta Rastros de Diógenes. “São saberes, histórias e memórias entrelaçadas, atuando em contextos periféricos e institucionais. (...) No Terreiro Afetivo, a minha ancestralidade migratória se junta com a de outres migrantes e nossas memórias juntas são plantadas, nutridas e colhidas na construção de novos mundos em compostagem".

Fábia Prates é jornalista com passagem por grandes veículos brasileiros. Atualmente escreve sobre temas relacionados a cultura, comportamento e comunicação corporativa.

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